A capacidade de resiliência é um grande desafio da engenharia sísmica mundial. Os aprendizados dos sismos de 7S e 19S de 2017 no México mostram elementos muito positivos orientados para atingir essa grande meta.
* Este artigo foi publicado na Revista Geociências SURA | Edição 3 | Março de 2018.
Cada sismo traz consigo aprendizados para alcançar esse grande objetivo. Existem muitos esforços mundiais, como é o caso do Marco Sendai (2015-2030), comprometidos com a redução de risco de desastres para alcançar a resiliência da sociedade e que respondem à megatendência de urbanismo.
Seu foco principal é fazer com que o design, a construção e os processos de recuperação, reabilitação e reconstrução pós-sismo considerem o desempenho sísmico esperado das estruturas, de tal maneira que a vida, a propriedade, a sustentabilidade dos negócios, a estabilidade governamental e social dos países sejam protegidas.
Os efeitos dos sismos permitiram desenvolver tecnologias para atendê-los, sendo algumas delas orientadas a salvar vidas e unir a sociedade no processo de recuperação das zonas e pessoas afetadas.
No entanto, esse atendimento também deve estar orientado para que os resultados dos processos de reconstrução, reabilitação e reforço e reparação de edificações pós-sismo sejam convertidos em uma oportunidade para alcançar cidades mais resilientes. Isso requer valores éticos, mecanismos regulatórios bem estruturados, profissionais com conhecimento e experiência e convicção da sociedade.
Um caminho percorrido no México desde 1985
O sismo de 19S de 1985 representou um marco, não apenas na história sísmica do México, mas também no desenvolvimento da engenharia sísmica. Os aprendizados desse grande sismo foram de fundamental relevância para o México e para o mundo, porque mostraram de maneira indiscutível o papel preponderante da resposta sísmica dos perfis de solo nos movimentos de terreno e seus efeitos no desempenho das edificações.
Uma enorme quantidade de estudos e investigações foi desenvolvida com base nesse grande sismo e, a partir desse dia e até hoje, a convicção do papel fundamental da caracterização dos solos nos códigos de design sísmico cresceu.
O sismo de 19S de 2017 confirmou as descobertas de 19S de 1985 e mostrou a validade e relevância da demarcação da resposta dos solos na Cidade do México, estabelecida em seu regulamento sísmico.
No sismo de 19S de 2017, os edifícios colapsados estavam concentrados predominantemente em depósitos de argila macia de 25 a 40 m de espessura, que tinham períodos fundamentais de vibração entre 1.0 e 1.5 e são predominantemente classificados em solos da zona IIIa e uma proporção muito menor na zona IIIb.
As variações entre a localização e a altura das edificações onde se concentraram os colapsos e maiores danos nos sismos de 19S de 1985 e 2017 são em virtude das diferenças no conteúdo frequencial e na distância entre a fonte do sismo e o local dos eventos.
O sismo de 19S de 1985 ocorreu a quase 400 km da Cidade do México, enquanto o abalo de 19S de 2017 foi a 120 km, o que mostra a grande importância da consideração de possíveis fontes sísmicas com incidência nessa cidade, juntamente com os tipos de solo que podem intensificar a resposta sísmica em cada caso.
Contudo, não se pode perder de vista a relevância dos sistemas estruturais no comportamento sísmico das edificações. Os sismos de 19S de 1985 e 2017 mostram aprendizados importantes sobre as estruturas com danos severos e colapsos concentrados em sistemas de laje plana e molduras de concreto reforçado (preenchidos com alvenaria não reforçada).
Toda essa informação torna-se essencial nas decisões de reparação e projetos de reforço e construção de novas edificações posteriores aos sismos de setembro de 2017.
Em um lapso de 12 dias, durante o mês de setembro de 2017, o México foi sacudido por dois sismos fortes. O primeiro, com uma magnitude de 8.1 Mw e uma profundidade de 47 km, ocorreu no estado de Chiapas, no dia 7 de setembro.
Preparação, generosidade e conhecimento
Como resposta ao sismo de 7S de magnitude 8.1 Mw, o XXXVI Conselho Diretor do Colégio de Engenheiros Civis do México fez uma convocatória de engenheiros voluntários para viajar a Oaxaca e Chiapas com o objetivo de avaliar os danos e colaborar com as autoridades federais e locais.
A organização do México em um grupo de brigadas para a inspeção de edificações na Cidade do México é uma grande conquista que esse país latino-americano ensina para o mundo. O esquema de brigadas mostra não apenas a generosidade de seus integrantes – um grupo de mais de 600 engenheiros e estudantes de engenharia civil voluntários –, mas também a utilidade de seus esforços para orientar as decisões do Estado.
Dentro dessas brigadas, as comissões de engenheiros estruturais desempenharam um papel decisivo, por seu conhecimento e experiência para avaliar tecnicamente o nível dos danos das edificações.
Como o número de engenheiros estruturais é baixo em comparação ao número total de brigadistas, esse plano de inspeção visual das edificações implementou um primeiro formato de avaliação rápida de edificações que permitiu filtrar os casos mais críticos para definir a parcela de edificações que precisariam de uma segunda visita de inspeção com um formulário mais detalhado.
Demarcação sísmica da Cidade do México para fins de desenho por sismo – NTC 2004
Aparticipação do engenheiro Francisco García Álvarez, presidente da Sociedade Mexicana de Engenharia Estrutural (SMIE, na sigla em espanhol), como líder de 35 brigadas, reflete o grande compromisso da engenharia do país com o atendimento pós-sismo. A participação dos grupos de engenheiros estruturais foi constituída com a liderança do Colégio de Engenheiros Civis do México (CICM, na sigla em espanhol) e o compromisso da SMIE e das universidades, no qual se destaca o caso da UNAM.
Sempre se pode aperfeiçoar, mas o resultado é uma potente iniciativa que foi possível graças à dedicação generosa de um grupo de pessoas motivadas por um interesse comum, que têm o grande desafio de se fortalecer, estabelecer modelos e critérios e alcançar o apoio eficiente e sistemático dos engenheiros estruturais.
O segundo, com uma magnitude de 7.1 Mw e uma profundidade de 48 km, foi gerado no limite entre Puebla e Morelos, no dia 19 de setembro. A data do sismo de 19 de setembro é uma enorme coincidência porque ocorreu justamente na comemoração dos 32 anos do grande sismo de 19 de setembro de 1985.
Tecnologia a serviço das pessoas
A informação dos avanços da gestão das brigadas na Cidade do México esteve ao alcance do público em geral desde a ocorrência do sismo no site www.sismosmexico.org. Ainda, o Governo mexicano lançou uma campanha no site www.gob.mx/sismo/ para ajudar a identificar os danos estruturais em construções, o que permitiu definir as prioridades de ajuda.
O Sasmex é um sistema moderno, existente em poucas cidades do mundo e que conta com aplicações atuais úteis para sistemas distantes da cidade, como no caso do sismo de 19S de 1985.
Esse sistema também pode ser potencializado para aplicações de sismos mais próximos à cidade, conforme a rede e seus instrumentos crescerem. Para a população da Cidade do México, torna-se fundamental conhecer cada vez melhor o funcionamento e as utilidades desse SAS para interpretar adequadamente os sinais e seguir os protocolos corretos.
Aprendizados sobre o desempenho estrutural de edificações
Os artigos publicados pelo doutor Mario Rodríguez, pesquisador da Universidade Autônoma do México (UNAM) e do Centro de Engenharia Sísmica John A. Blume, da Universidade de Stanford, mostram estatísticas do sismo de 19S de 2017 que permitem identificar características predominantes das edificações que colapsaram e apresentaram danos severos associados a esse evento.
A partir desses aprendizados sobre os edifícios colapsados pelo sismo de 19S de 2017, o Centro de Engenharia Sísmica John A. Blume, da Universidade de Stanford, ressalta a importância de gerar mecanismos regulatórios para a revisão e reabilitação sísmica de edificações construídas antes de 1985 e localizadas nas zonas do antigo lago da Cidade do México.
A concentração dos colapsos em edificações construídas antes de 1985 também mostra um balanço positivo da evolução da norma sísmica mexicana, que tem buscado refletir os aprendizados do grande sismo de 1985 em seus requisitos.
Aprendizados do plano pós-sismo da SURA no México
A convicção de reparar, reforçar e reconstruir para alcançar edificações com melhor desempenho sísmico para o futuro, nos casos em que for possível, é um compromisso da SURA com a resiliência sísmica na América Latina. A gestão da SURA após os sismos de setembro de 2017 no México confirma a relevância dessa convicção.
A metodologia de avaliação pós-sismo da SURA foi implementada no México com vários grupos de engenheiros estruturais do México, do Chile e da Colômbia, de tal maneira que, desde 25 de setembro até 21 de dezembro de 2017, a SURA contou com grupos permanentes de cerca de 23 especialistas em engenharia estrutural para a implementação do plano de inspeção de mais de 2.000 edificações na Cidade do México e nos estados de México, Morelos, Puebla, entre outros.
A opinião de Gloria María Estrada Álvarez, gerente de Geociências da Suramericana S.A., é que “o grande balanço desse plano pós-sismo no México foi um mecanismo muito eficaz para apoiar, com uma perspectiva de engenharia, nossos segurados que foram afetados por esses sismos no
país. Poderemos melhorar cada vez mais, temos muitos elementos de logística para melhorar, mas o resultado foi um grupo de mais de 150 pessoas, composto por equipes de diferentes áreas da SURA México, pela equipe de Geociências da Suramericana S.A. e por um grupo de profissionais de empresas de engenharia estrutural do Chile, do México e da Colômbia, preparados na metodologia pós-sismo da SURA e todos comprometidos com uma causa comum: inspecionar e levantar formulários das edificações com algum tipo de afetação para diagnosticar e classificar danos que orientem os processos de reparação, reabilitação e reconstrução. Na etapa de estudos complementares para o grupo de edificações que precisam de avaliações adicionais para a definição de técnicas de reparo ou reabilitação mais adequadas em cada caso, a SURA contou com o apoio de um grupos de empresas internacionais de engenharia estrutural com vasta experiência em pós-sismo e de uma empresa mexicana de grande prestígio no campo da engenharia estrutural. Na SURA, estamos convencidos de que a empresa privada e, especialmente o setor de seguros, tem a responsabilidade de contribuir com a sociedade, gerando mecanismos que impeçam que se repare, reabilite ou reconstrua vulnerabilidade”.
Os esquemas em colaboração com a SURA que puderam ser implementados no México são basicamente as primeiras iniciativas com a academia e com as associações profissionais, como é o caso da UNAM, da SMIE e um grupo de empresas de engenharia estrutural e de engenheiros estruturais que apontam um futuro frutífero a curto e médio prazo para avançar no desenvolvimento de conhecimento e gestão do risco sísmico no México.
Um ponto a ser trabalhado no plano pós-sismo da SURA é conseguir um melhor esquema de colaboração com os esforços do Governo e outras instituições do país. Para a SURA, é evidente que, quando ocorre um desastre de qualquer tipo, isso é um desafio para a sociedade como um todo, no qual os esforços público-privado sempre deverão estar orientados ao bem comum.
Considerações sobre a regulamentação de construção sismorresistente no México
A evolução da norma sísmica no México revela aspectos positivos do desempenho sísmico das edificações no país, que mostram os resultados dos aprendizados colocados em prática desde 1985. Como expressa o doutor Mario Rodríguez, após o sismo de 1985, a regulamentação por sismo na Cidade do México mudou em relação à que já existia nessa época, requerendo mais resistência e rigidez lateral nas edificações, o que é um fator adicional para interpretar o melhor comportamento das edificações no sismo de 19S de 2017 em comparação com o que foi observado nas edificações no sismo de 19S de 1985.
A atualização da norma sísmica para a Cidade do México inclui detalhes da resposta estimada do solo para fins de design sísmico próprio de cada local, para o qual os designers acessam o Sistema de Acciones Sísmicas de Diseño (SASID), como explica o engenheiro Francisco García Álvarez, atual presidente da SMIE.
As disposições publicadas em dezembro de 2017, que modificam o Regulamento de Construções da Cidade do México, incluem normas para a reabilitação sísmica de edifícios de concreto atingidos pelos sismo de 19 de setembro de 2017.
Levando em consideração os casos das edificações que sofreram colapsos ou maiores danos no sismo de 19S de 2017 e que não haviam apresentado danos consideráveis no
sismo de 19S de 1985, o doutor Mario Rodríguez sugere que, para uma melhor interpretação da vulnerabilidade de estruturas, deve-se considerar o efeito de dano acumulado quando as estruturas experimentam mais de um sismo forte durante sua vida útil.
O doutor Rodríguez vem trabalhando há vários anos na UNAM em pesquisas de um índice de dano, com o qual fez validações a partir de dados reais do sismo de 19S de 2017, que mostram um caminho promissor para avançar em metodologias complementares para a análise do desempenho sísmico esperado das edificações (Rodríguez, 2017).
O comportamento sísmico de elementos não estruturais e sua interação com a estrutura da edificação constitui um aspecto fundamental para o desempenho sísmico e a funcionalidade das edificações após esse tipo de eventos. A avaliação dos elementos não estruturais deve considerar não apenas os materiais utilizados e sistemas construtivos, mas também a importância de integrar os arquitetos nas equipes dos projetos de construção e reabilitação de edificações.
Muitos especialistas em engenharia estrutural no México – entre os quais se destaca o doutor Luis Esteva, professor honoris causa da UNAM – concordam que inovadoras soluções estruturais de proteção sísmica, como isolamento e dissipação sísmica,podemsermuitoúteiseeficientesnareabilitaçãosísmica de estruturas essenciais e de atendimento à comunidade que tenham sido afetadas ou não pelos sismos de setembro de 2017, dada a grande importância de manter suas operações depois de um sismo.
Os aprendizados dos sismos de 7S e 19S no México deveriam ser considerados nas atualizações das normas e no melhoramento de mecanismos de controle da qualidade da construção nos diferentes países da América Latina. Muitos países da região têm similaridades com o México em condições de ameaça sísmica, tipologias estruturais e práticas construtivas. O grande legado e a responsabilidade que os sismos nos deixam é colocar os aprendizados em prática com responsabilidade e convicção de que a resiliência sísmica é um desafio alcançável para nossas sociedades.
Fontes
- Francisco García Álvarez. Engenheiro civil, mestre em Engenharia. Presidente da Sociedade Mexicana de Engenharia Estrutural.
- Gloria María Estrada Álvarez. Engenheira civil, especialista em Engenharia Ambiental, especialista e mestre em Engenharia Sismorresistente.
- Mario Rodríguez Rodríguez. Engenheiro civil, mestre e doutor em Estruturas, pesquisador de dedicação exclusiva do Instituto de Engenharia da UNAM.