A maior parte da comunidade científica (mais de 97%) afirma que o clima está mudando em um ritmo sem precedentes em resposta às atividades realizadas pelo homem. Apesar do enorme impacto nas diferentes dimensões científica, econômica, social, política, moral e ética, os conceitos associados às mudanças climáticas nem sempre são bem compreendidos. Abordá-los é essencial para projetar estratégias de adaptação e mitigação.
* Este artigo foi publicado na Revista Geociências SURA | Edição 4 | Dezembro de 2018.
A primeira coisa que devemos entender para explicar o significado e a importância do câmbio climático é a definição de três conceitos que fazem parte do nosso cotidiano: tempo atmosférico, clima e variabilidade climática. Sendo assim, é importante que esses conceitos sejam definidos à luz de uma abordagem mais ampla e que os classifique: o sistema climático.
O sistema climático global depende principalmente da energia do sol e é formado pela inter-relação de todos os subsistemas que fazem parte do nosso planeta: a hidrosfera, atmosfera, criosfera, litosfera e biosfera. Qualquer perturbação em um desses subsistemas pode afetar o equilíbrio total do sistema, causando uma alteração do estado atmosférico em uma determinada escala de espaço temporal.
Se pensarmos nos furacões e no El Niño-Oscilacao Sul (ENOS) — o primeiro, um fenômeno atmosférico formado e intensificado a partir da energia disponível na água quente dos oceanos e , o segundo, um fenômeno que tem importantes consequências climáticas em muitas regiões do mundo e cuja origem é apresentada como consequência do aquecimento ou resfriamento da água superficial do Oceano Pacífico tropical — teríamos dois exemplos claros da inter-relação da hidrosfera e da atmosfera dentro do sistema climático.
No entanto, só podemos começar a falar sobre tempo atmosférico, clima e variabilidade climática quando entendemos que os distúrbios atmosféricos causados pela inter-relação de diferentes subsistemas climáticos podem ocorrer em diversas escalas temporais (horas, dias, meses, anos, décadas ou séculos).
O que é o tempo atmosférico?
Em sua definição mais simples, o tempo atmosférico é entendido como o estado atual da atmosfera em um ponto geográfico e um momento determinado, representado por variáveis, como a precipitação, temperatura, nebulosidade, umidade relativa etc.
Considere, por exemplo, um dia particularmente ensolarado que é interrompido por uma chuva de poucas horas ou uma semana de verão em que ficamos surpresos com vários dias de chuva e nebulosidade. É correto atribuir essas variações inesperadas ao câmbio climático? Definitivamente, não.
O sistema climático é altamente sensível a perturbações no sistema como um todo, e é por isso que Edward Lorenz, considerado o pai da Teoria do Caos, descreveu o tempo atmosférico como um sistema caótico, no qual qualquer perturbação mínima pode desencadear resultados muito diferentes. É por essa razão que parece tão difícil prever o tempo atmosférico com precisão.
O próximo conceito importante a ser definido é o clima, entendido como o tempo atmosférico predominante em uma determinada região em longo prazo (horizontes temporais que não sejam inferiores a 30 anos). O clima é influenciado por variáveis físicas regionais, como a localização geográfica, altura média acima do nível do mar, acidentes geográficos, proximidade do mar e tipo de vegetação. Este último nos mostra que entre o clima e a vida há interações de mão dupla, isto é, que existe reciprocidade entre esses processos.
Para entender a relação entre tempo atmosférico e clima, existe uma analogia bastante clara na literatura. Pense no tempo atmosférico como os estados de ânimo que uma pessoa experimenta ao longo da vida: alegria, tristeza, melancolia, euforia, raiva, saudade etc.
Todas essas emoções podem ocorrer em momentos específicos, inclusive no mesmo dia. No entanto, a personalidade desse indivíduo não é determinada pelo seu estado de ânimo momentâneo, mas pelo seu comportamento habitual, sendo assim, o clima é semelhante à personalidade e o tempo atmosférico às diferentes emoções vividas.
“Podemos conceber o clima como resultado, em longo prazo, do comportamento coletivo de todos os componentes do sistema climático terrestre (atmosfera, hidrosfera, criosfera e biosfera). Todos eles estão em constante interação, o que resulta em variabilidade climática natural do tempo atmosférico, em longo prazo, em diferentes escalas espaço-temporais”.
Doutor Germán Poveda, especialista em hidroclimatologia e câmbios climáticos e professor-pesquisador na Universidade Nacional da Colômbia, sede Medellín.
O que é a variabilidade climática?
O tempo atmosférico é definido como o estado da atmosfera em escalas temporais de horas, dias e algumas semanas. O clima corresponde ao estado médio do tempo atmosférico em uma determinada região geográfica, por um período superior a 30 anos. Sendo assim, como podemos definir o comportamento do tempo atmosférico em escalas intermediárias de, por exemplo, 20 anos?
A variação das condições atmosféricas em períodos de um ou vários meses, anos, quinquênios ou períodos mais extensos (até duas décadas) é explicada pela variabilidade climática. O clima varia naturalmente e essas variações ocorrem de forma cíclica, devido a fatores como a rotação e translação da Terra, manchas solares (regiões do sol com alta atividade magnética) ou atividade vulcânica.
Alguns exemplos da variabilidade climática são: ciclo de temperatura diurna, as estações climáticas nas regiões extratropicais, as temporadas de inverno e verão durante o ciclo anual nas regiões tropicais, as temporadas de furacões, a Oscilação Madden Julian e o ENOS.
O que é o câmbio climático?
Uma vez definido o conceito de clima, poderíamos dizer que o câmbio climático nada mais é do que a mudança nas condições normais do tempo atmosferico, em periodos acima de 30 anos. No entanto, sua definição exata é muito mais complexa.
O clima vem mudando de forma natural há milhões de anos. Essas mudanças ocorrem devido a fenômenos em escalas geológicas de tempo, como: queda de meteoritos, megaerupções vulcânicas, câmbios na intensidade luminosa do sol, mudanças na inclinação do eixo de rotação da Terra, na excentricidade da órbita terrestre, na orogênese (processos de formação de montanhas), no ciclo de carbono em longo prazo, entre outros. Essas mudanças naturais foram vistas na história da Terra durante os períodos glaciais e interglaciais.
Embora seja verdade que o clima apresentou uma variação natural ao longo da história da Terra, a relevância do câmbio climático que estamos vivenciando está, como explica o Dr. Germán Poveda, na velocidade em que esses câmbios estão ocorrendo, como consequência da intervenção do homem.
O câmbio climático pode ser entendido como uma reação em cadeia. A origem dele está no aumento da emissão de gases de efeito estufa (GEE) que, embora também sejam encontrados naturalmente na atmosfera da Terra, são resultantes da queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão, gás, gasolina etc.) e do desmatamento (dióxido de carbono, metano e óxido nitroso). Como consequência dessa maior concentração de GEE, houve um aumento na temperatura da atmosfera e no aquecimento global.
Por que sabemos que o clima está mudando?
O desenvolvimento tecnológico dos últimos anos permitiu que construíssemos e capacitássemos equipes de medição e monitoramento que nos levassem a entender melhor o comportamento dos parâmetros climáticos e variáveis físicas presentes nos subsistemas terrestres.
Graças aos sensores, com os quais muitos dos satélites que orbitam a Terra estão equipados, por exemplo, conseguimos determinar o comportamento do espaço temporal da precipitação, umidade ou temperatura e podemos medir a concentração de dióxido de carbono na atmosfera. Do mesmo modo, as imagens ópticas obtidas pelos satélites nos permitem ter sequências para que possamos fazer comparações temporárias de uma determinada região geográfica ou fenômeno de interesse.
Esse diagnóstico global que a tecnologia nos oferece desde as últimas décadas foi contrastado com os resultados de estudos paleoclimáticos, que levaram mais de 97% da comunidade científica a concordar, inequivocamente, que o clima está mudando e atingindo números sem precedentes em resposta às atividades humanas.
As manifestações dessas mudanças são evidentes em todo o mundo em fenômenos como o recuo de geleiras, aquecimento dos oceanos, aumento da temperatura média global, aumento do nível do mar ou aumento da gravidade e frequência de eventos hidrometeorológicos extremos.
Oportunidades e riscos associados ao câmbio climático
Os riscos associados ao câmbio climático podem ser agrupados em duas categorias: riscos físicos e riscos de transição.
Os riscos físicos são aqueles derivados da materialização das ameaças de origem hidrometeorológica, enquanto os riscos de transição são os decorrentes da implementação de políticas públicas e mudanças regulatórias voltadas à redução da emissão de GEE.
Estes últimos têm um grande potencial para transformar a tecnologia industrial e os mercados, e é nessa transformação que surgem oportunidades para os novos mercados emergentes e o desenvolvimento de novas tecnologias que garantam a sustentabilidade do meio ambiente.
O que está sendo feito no mundo para lutar contra o câmbio climático?
Esse problema concentrou a atenção da comunidade científica, bem como de todos os tipos de entidades governamentais e não governamentais, que unem esforços permanentemente para estabelecer ações que nos permitam entender, financiar e gerenciar todas as ações que nos levem a mitigar ou nos adaptar às consequências do câmbio climático.
O câmbio climático não possui uma única consequência nem afeta apenas uma região geográfica ou setor produtivo. Trata-se de um problema transversal, com um espectro tão amplo que impacta em grande escala diversos setores sociais, econômicos e ambientais.
Sendo assim, as soluções não podem ser concentradas em uma única frente, como destaca o doutor Germán Poveda, professor da Faculdade de Minas da Universidade Nacional da Colômbia, ao referir-se às estratégias para enfrentar a variabilidade e o câmbio climáticos:
“Uma das maiores dificuldades que enfrentamos é que para cada setor, inclusive, para cada pessoa, o câmbio climático pode ter uma conotação totalmente diferente: as consequências dele na geração de energia não são necessariamente as mesmas que na produção de alimentos ou na proteção contra inundações”.
À medida em que o câmbio climático é cada vez mais compreendido, várias estratégias vêm surgindo, graças à comunidade científica e aos demais atores envolvidos, para que as consequências que um clima que muda constantemente traz, tanto para governos quanto para empresas privadas, possam ser enfrentadas. Essas ideias estão centradas principalmente na mitigação e adaptação.
As estratégias de mitigação do câmbio climático estão enfocadas em definir alinhamentos para reduzir a emissão de GEEs que alteram a composição atmosférica e aceleram o aquecimento global, bem como garantir a conservação dos ecossistemas que absorvem e armazenam esses gases.
Consequentemente, os riscos de transição associados ao câmbio climático são derivados das medidas de mitigação, já que estas buscam incentivar mudanças tecnológicas que permitam reduzir substancialmente as emissões de GEE e garantir a conservação das florestas utilizadas por algumas indústrias, levando-as a redefinir suas estratégias e mudarem os mecanismos de produção tradicionais.
Por outro lado, as estratégias que mitigam os riscos físicos resultantes de eventos climáticos extremos, como chuvas mais intensas e persistentes, secas mais longas ou aumento no nível do mar, estão agrupadas no que é conhecido como medidas de adaptação ao câmbio climático. Essas medidas podem ser estruturais, como a construção de proteções contra eventos climáticos extremos, ou não estruturais, como os programas de educação e conscientização ou a implementação de normas urbanísticas que limitem a construção de complexos residenciais e industriais em áreas com alta probabilidade de eventos extremos.
Diante desse cenário, é necessário que governos e setores produtivos caracterizem sua vulnerabilidade a riscos transitórios e físicos que possam impactá-los negativamente. Dessa forma, é possível que as medidas necessárias para garantir sustentabilidade e resiliência aos novos desafios associados ao câmbio climático sejam tomadas.
Finalmente, é importante destacar que, embora a maioria das medidas propostas pelas entidades mundiais que lideram a luta contra o câmbio climático estejam classificadas em duas categorias (mitigação e adaptação), muitas outras estratégias dos diferentes atores envolvidos podem ser implementadas para aumentar a conscientização sobre um mundo sustentável, como o controle de crescimento populacional, criminalização do desmatamento, consumo excessivo de recursos naturais e poluição dos sistemas de suporte à vida (água, ar , solos, florestas e pesca), economia de água e energia e mudança da matriz de fontes de energia poluentes por outras que sejam limpas e renováveis, como sugere o professor Germán Poveda.
Fontes
- Germán Poveda Jaramillo. Engenheiro Civil e Mestre em Aproveitamento de Recursos Hidráulicos da Universidade Nacional da Colômbia, Mestre em Engenharia da Universidade da Califórnia e Doutor em Engenharia de Recursos Hídricos da Universidade Nacional da Colômbia e da Universidade do Colorado.
- Juan Pablo Restrepo. Engenheiro civil com especialização em Recursos Hidráulicos da Universidade Nacional da Colômbia.
- Luisa Fernanda Vallejo. Engenheira Civil da Escola de Engenharia de Antioquia e Mestre em Recursos Hidráulicos da Universidade Nacional da Colômbia.